17 de maio de 2016

Quanto é necessária uma internação psiquiátrica

Psiquiatras falam sobre crise na internação psiquiátrica.

A matéria  mostra que o número de leitos públicos para atendimento de doentes mentais caiu de 120 mil para 32 mil em 14 anos, após a lei que reformou o sistema psiquiátrico em 2001. Dessa forma, quem necessita de internação é obrigado a procurar uma clínica particular e os que não possuem contam com a sorte de achar a internação em uma clínica pública.


RIO — Imagine a cena: um garoto bipolar, com crise de mania, que cria situações fantasiosas e que de tão eufórico não dorme e torra o patrimônio da família, ao “embarcar em suas viagens”. Gustavo (nome fictício) perdeu a noção de si mesmo e o controle de suas ações em três oportunidades. Numa achou que chegaria ao estrelato, depois à Presidência do Brasil, e por último já se considerava Deus. Precisou de internação psiquiátrica em duas delas e optou por clínicas particulares por considerar as públicas “inadequadas”.

— Tive sorte de contar com a ajuda dos meus irmãos, que pagaram tudo. Não dava para ficar em outro local, era tudo muito ruim — lamentou o fotógrafo, de 33 anos, que há seis anos não interrompe o tratamento medicamentoso para evitar crises e gastos em torno de R$ 15 mil por 15 dias. — Hoje sei conviver com a minha doença.

Casos como esse são mais comuns do que se pensa. E, em alguns deles, internações breves auxiliam nas crises, trazendo o paciente para a “normalidade”. Independentemente da doença mental, quando uma pessoa coloca em risco sua vida ou a vida de outro, deve ser internada. Portadores de transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia, mas também como depressão, ansiedade, bipolaridade, alcoolismo e dependência de outras drogas, sofrem preconceito e têm dificuldades para internação.

Segundo Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), há uma defasagem entre demanda e leitos para internações em hospitais gerais no país. Ele afirma que há cerca de 50 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno mental. E que essas são doenças crônicas, altamente prevalentes e que contribuem para a incapacitação e mortalidade precoces. Segundo números do governo federal, há apenas 32 mil leitos para atendimento de doentes mentais no Brasil. Antes da lei de 2001, que reformou o sistema psiquiátrico e culminou com o fechamento dos manicômios, eram 120 mil, diz Silva.

— O que ocorre num surto de depressão? Não sei onde os familiares devem pedir auxílio. Acabam batendo na porta dos consultórios particulares. Nossa demanda é grande e não deveria ser.

Dartiu Xavier, professor livre-docente da Universidade Federal de São Paulo e especialista em transtornos do controle dos impulsos, comorbidades psiquiátricas e dependência química, afirma que é preciso ter mais opções para tratamento em hospitais gerais.

— Não se trata de defender o modelo antigo, em que os leitos eram carcerários e as internações, longas. Mas o abuso anterior não justifica a falta de leitos de hoje em dia. Precisamos de mais deles nos hospitais gerais, além de olhar para esse problema como uma questão médica.

Xavier, um dos consultores da Prefeitura de São Paulo para o programa Braços Abertos (para usuários de drogas, na região da Cracolândia) afirma que não se usam mais internações longas porque não são eficientes:
— Na maioria das vezes não são necessárias. Internação longa só serve para enriquecer dono de clínica particular. Muita gente enriqueceu com o cárcere para doentes mentais. E a especialidade como um todo ainda é estigmatizada.

A ABP luta por um modelo de atenção integral no Brasil principalmente após a lei de 2001, que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais.

— A lei não é aplicada por não garantir o tratamento ao cidadão. Devido a um viés ideológico, houve ênfase no fechamento de leitos psiquiátricos e de ambulatórios especializados sem a contrapartida de serviços comunitários.

De acordo com Fábio Barbiratto, chefe da Psiquiatria Infantil da Santa Casa, no Rio, quando a internação é para adolescentes, o quadro é pior. Em caso de jovens em surto, ele encaminha à emergência do Instituto Municipal Phillipe Pinel “e reza”. Afirma que, na maioria das vezes, tem dificuldade para encontrar vagas para internação. Mesmo que a depressão e a bipolaridade sejam frequentes em jovens de 8 a 15 anos.

— Há o estigma de que adolescente é rebelde e que surtos não são decorrentes de uma doença. Além, é claro, do fato de que nesse caso é preciso leito com espaço para o responsável também — explicou o psiquiatra. — Na prática, há situações desgastantes em que a medicação não é suficiente. E são poucas as famílias que têm dinheiro para pagar um enfermeiro para ficar com o doente em suas casas ou internar em locais particulares. Rezo por muitos deles.


VOLTA POR CIMA APÓS PARAR NA RUA

Elizabeth dos Santos, de 56 anos, não teve a mesma sorte que Gustavo. De família humilde e abandonada pelos irmãos, contou com a ajuda de um desconhecido em sua primeira crise, quando tinha 23 anos e descobriu que era bipolar.

— Fui parar na rua. Um senhor me levou a um psiquiatra e exigiu a internação porque eu não tinha para onde ir. Não foi fácil, mas conseguimos (no Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro).

Após indas e vindas, foi internada no Instituto de Psiquiatria (Ipub) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde esteve em várias crises, entre 1999 e 2003.

— Como já me conheciam, conseguia vaga com menos sacrifício. Mas agora acho que é mais difícil. Principalmente para o pessoal da Baixada Fluminense, onde moro. Eles não conseguem vir para cá (Zona Sul). E lá os lugares são piores — contou Elizabeth, que hoje trabalha no Ipub como voluntária.

Segundo a psiquiatra Maria Tavares Cavalcanti, diretora do Ipub, o local está sempre cheio e há rodízio constante de internos. São 106 vagas, sendo que 18 são ocupadas por “pacientes moradores”. A média de internação foi de 57 dias em 2014. Para ela, o ideal é que essas pessoas possam ser internadas nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), não em hospitais.

Os CAPS III, indicados para municípios com população acima de 200 mil habitantes, são unidades de funcionamento 24 horas. Já os CAPSI (até 70 mil habitantes) não têm a obrigatoriedade de contar com psiquiatras.

Segundo o Ministério da Saúde, há no país 2.209 CAPS, onde o atendimento é próximo à família. Nesses locais também há possibilidade de internação, de curta duração, em caso de orientação médica. No Brasil, são 32.290 leitos psiquiátricos, em hospitais especializados (178) e gerais. Desde 2011, foram criados 858 leitos de saúde mental em hospitais gerais, além do funcionamento de 61 unidades de acolhimento. O investimento no período no SUS foi de R$ 3,1 bilhões.

As secretarias municipal e estadual de saúde do Rio explicaram que o objetivo é consolidar o modelo de saúde mental com atenção psicossocial, em unidades de serviços comunitários. Ainda há no estado 28 hospitais psiquiátricos com 4.239 leitos. Destes, sete são públicos e os demais, com leitos conveniados ao SUS. Cerca de 50% desses leitos estão ocupados por pacientes “moradores”. E a taxa de ocupação é de 100% (não ficam ociosos). Já o município conta com 28 CAPS, seis deles 24 horas. A cidade tem 1.324 leitos destinados à internação em 13 unidades (incluindo as conveniadas ao SUS). Desse total, 659 estão ocupadas por pacientes de longa permanência. A taxa média de ocupação dos restantes é de 90%.

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